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Meu caminho nesse mundo, eu sei.Vai ter um brilho incerto e louco dos que nunca perdem pouco,nunca levam pouco,mas se um dia eu me der bem,vai ser sem jogo (...)Cazuza. Uma menina comum.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Uma amiga questionou-me sobre “fatos” que ao seu ver são bizarros,mas de contrário a sua visão, são do meu gosto particular e dos mais sinceros e simples, pois bem, começando pelos por menores midiáticos; acreditem tenho um verdadeiro fascínio por leilão de jóias, não exatamente pelos produtos, mas como são narrados, e ainda admito, eu os assisto de modo deleite, assim como também vejo talk shows ,incluindo o programa de David Letterman . Mas por vezes o último não me agrada, sabem, piadas norte-americanas são enfáticas demais, destroem minha criatividade "esportiva"!

E mais uma coisa de meu agrado para vocês, mas creio eu que seja algo até comum, são as boas visões de mundo num conto de Luís Fernando Veríssimo:
A Rainha das Microondas:

Sérgio convidou Cláudia para jantar e disse que ele mesmo faria a comida. ― O meu nhoque é famoso.
― Quero só ver, riu a Cláudia.
― Quarta-feira?
― Quarta-feira.
Na quarta-feira, Sérgio abriu a porta para Cláudia de avental. Explicou que não, não acabara de decapitar uma galinha. O sangue no avental não era sangue, era o molho do nhoque. Pequeno acidente. Nada grave. Estava nervoso. Instalou Cláudia na sala, perguntou se ela já queria começar no vinho ou se preferia um aperitivo, ela perguntou se tinha Campari, não tinha, ela disse que vinho estava ótimo, ele serviu o vinho, ela perguntou se podia ajudar em alguma coisa, ele disse que não e voltou para a cozinha. Quando sentaram-se para jantar, ela perguntou:
― Por que nervoso?
― Você aqui, no meu apartamento? Comendo a minha comida?
Espera aí um pouquinho.
Cláudia sorriu. Pensou em dizer "Eu é que devia estar nervosa, sozinha, aqui no seu apartamento", mas não disse. Pensou em dizer "Eu nunca esperava ser convidada", mas não disse. Pensou em dizer "Eu não podia sonhar que você estava a fim de mim", mas não disse. Deixou o sorriso dizer tudo.
― São de farinha. ― Hein? ― Os nhoques. Faço com farinha, acho que ficam mais leves. O engraçado é que nhoque de farinha é considerado mais fino, mas o nhoque de batata é mais caro. Como você está cansada de saber.
― Sérgio...
― Sim?
― Posso te fazer uma pergunta?
― Já sei o que você vai perguntar. O molho. Acertei? Esse gosto diferente do molho. É o meu segredo. Você não adivinha o que tem no meu molho. Ninguém adivinha.
― Não, Sérgio. Eu ia perguntar...
― Pergunte.
― Por que a gente não esquece os nhoques e...
Ela parou de falar quando viu a expressão no rosto dele. Surpresa e dor.
Como se alguém tivesse lhe dado a notícia de uma morte na família. Uma tia favorita, atropelada.
― Você não gostou.
― O quê?
― Do nhoque.
― Não, adorei. Adorei!
― Você não gostou do meu nhoque.
― Não é isso, Sérgio. Eu...
Ela não sabia como continuar a frase. "Eu ia sugerir que a gente esquecesse a mesa e fosse para a cama"? "Eu pensei que o nhoque fosse só um pretexto, ou uma mensagem cifrada, e ia pedir para pular as preliminares e ir logo para o que interessava"? "Eu entendi
tudo errado"?
Ele começou a tirar o prato da sua frente. Ela segurou o prato.
― Sérgio, deixa. Eu amei o nhoque.
Ele, puxando o prato:
― Não precisa fingir.
Ela, puxando o prato com as duas mãos:
― É o melhor nhoque que eu já comi na minha vida, Sérgio. Juro.
Ele, puxando o prato com força:
― Eu vou servir outra coisa.
Ela:
― Não precisa!
Ele largou o prato e voltou para o seu lugar. Durante algum tempo nenhum dos dois falou. Ela hesitou, depois recomeçou a comer o nhoque. Pensou em pedir desculpa, mas concluiu que, também, não era o caso de se humilhar. Pensou em fazer "mmm" depois de cada garfada, mas achou que poderia ser acusada de ironia. Ele não estava comendo. Estava estendido na cadeira, desconsolado, olhando para a parede. Ela o magoara. Ela,
decididamente, entendera tudo errado. Decidiu tentar uma reconciliação.
― Qual é o segredo do seu molho, afinal?
Ele sacudiu a cabeça, querendo dizer que não valia a pena.
Só depois da sobremesa ele falou de novo.
― O que você ia me perguntar?
― Não, queria saber porque eu deixei você nervoso.
― Porque eu sei que você cozinha muito bem. Não queria fazer feio.
― Eu, cozinhar bem? Eu nem sabia como se fazia nhoque.
― Mas me disseram que você...
― Disseram errado.
― Tinha até curso na França.
Iih, já vi tudo. Grande confusão. É a outra Cláudia!
― A outra Cláudia? ― Eu não sei fazer nada. Sou a rainha do microondas.
De madrugada, ela acordou e viu que ele a olhava. Os dois sorriram. Ele perguntou:
― Por que você ficou?
Ela pensou em dizer "Para restaurar o meu ego". Pensou em dizer "Porque você fez aquela cara quando eu disse para esquecer os nhoques, e eu nunca agüentei ver cachorro abandonado". Pensou em dizer "Porque sou uma estudiosa dos abismos humanos, e você promete". Mas disse:
― Porque mal posso esperar para provar seu café da manhã.

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Boa semana queridos!

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